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um acaso

johnny ama violante. dá-lhe ridículo e beijos dos mesmos sítios. relata-lhe autópsias do seu coração e não é por acaso que ela é violante. ela que sabe beber do seu sangue. geonauta, sempre à escuta, johnny vê violante. dá-lhe rosas, vive o momento e diz-lhe que sim para sempre. violante, hoje te espero, à noite, no café. mas, chora ela geonauta, não por ele, outro mais velho, vinte anos mais ardente. longe do bairro pacato, a dez mil milhas para ocidente. johnny aguarda impaciente. vem aí violante ao luar, na chuva, parece contente. mas ela atira as rosas para o chão, triunfante. não é dele, johnny, johnny, que ela gosta, geonauta omnisciente? violante não pára segue em frente. leva uma lua minguante, orgulhosa e contente. pelo caminho pisa johnny, coração desfeito e ausente. percebes agora, geonauta? ele é o bairro, subúrbios e trapos. um acaso de amor adolescente.

A guerra dos vencidos

Quanto tempo falta até ao próximo vencido? Até que o próximo selvagem a casa retorne? De joelhos em súplica.

Isis e o seu tesouro

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Pois onde estiver o teu tesouro   também aí estará o teu coração. Ela chama-se Isis e trocou a loucura dos dias por um dia em liberdade.

Robert Gabriel Kramer

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  Nome: Robert Gabriel Kramer (Bob para os amigos, eu chamo-lhe Bob, mas eu sou uma grande amiga dele, sublinhe-se já .) Iniciou a sua actividade nos lendários estúdios da BBC nos idos anos 60 até se aposentar há sete anos atrás. Este senhor, de semblante aparentemente simples e digamos mesmo, bonacheirão, tem um dom que ainda ninguém sabe muito bem qual é. Sabe-se, no entanto, que é detentor de mais de 27 patentes relacionadas com a aplicação de transístores MOSFET. Fez uma fortuna brutal com isso e podia ter construído um império de transístores em que ele teria sido o rei, mas continuou um subordinado nos lendários estúdios da BBC. É um senhor discreto mas perspicaz e sabia do que teria de abdicar. Isto, suspeito eu que esteja relacionado com Maude, sua mulher, hippie de formação. Nasceu em Stanford Rivers, Reino Unido, a 26 de Novembro de 1942. É casado e feliz com sua mulher e tem com ela uma filha chamada Patricia, publicitária de profissão, presentemente nos EUA....

No Canto Rasgado

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Não há saída por aí. Esqueceram-se de afixar um sinal que indique que é um beco sem retorno. As almas mais desnorteadas perguntam muitas vezes que caminho devem tomar. Marcha atrás, sempre atrás. Pode ir. Pode ir. À vontade. Mas custa ter essa liberdade. Se me pergunta se por acaso o ocaso desse lado descansa? Eu respondo-lhe que sim. Descanse, não o tempo que quiser, apenas o tempo de uma noite. Tempo apenas esse que deve descansar. O dia chama todos os dias por si, sem o senhor saber. E depois ainda se vira com sobranceria e diz: já que acordou comece a viver. Mas no fim de tudo, antes de adormecer, o traçado do percurso cabe-lhe a si. Mas não é por acaso que o meu veículo está estacionado no canto do seu mapa mais rasgado. Queria precisamente dizer-lhe que   às vezes tudo parece converg ir para al i . E aí convém relembrar-lhe , tendo sempre a bondade de respeitar a sua liberdade , de que não há saída por aí.

És Marselha

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És Marselha ao entardecer. Pirata escondido no lodo do cais. E entre tripulações atribuladas, tu és aquele que está sempre a mais. Tu és Babel, e as mil línguas faladas desde o começo do fim do mundo. És eu quando eu sou tu. E se eu sou dente-de-sabre, tu és o meu golpe mais fundo. Vives atrás de cada esquina que eu esqueci e deixei para trás. Pirata de brinco de pérola tesouro escondido de infância, voo elegante de garça, sono e paz de criança. És rasgo em céu incerto , gato em bair ro deserto. E num extenso imenso refúgio, subterfúgio de bandidos, numa casa soterrada de luar, és farol distante que ilumina o porto de abrigo dos sem-lei. Trazes contigo alfazema e maresia, ontem não sabia o teu nome mas hoje chamo-te Alexandria.

Montesquieu no Jardim

As searas daquele quadro de Van Gogh não haviam sido ceifadas há séculos e as paisagens de Turner apresentavam-se tão nítidas agora como as pinceladas de um quadro maluco de Pollock. Montesquieu ficou pensático… pensativo? Naquele instante as palavras interessavam-lhe pouco, queria ser, acima de tudo, verdadeiro e as palavras pesavam-lhe: eram um fardo e um empecilho. Mas seria aquilo de facto um quadro? Não lhe tinham dito que o jardim de infância lhe daria todas as ferramentas para poder saber distinguir o certo do errado? Subiu as escadas até ao quarto. E afinal era o quarto errado. Eram umas escadas de uma beleza estonteante, uma beleza que só se via em sonhos. Montesquieu lembrou-se de Hegel e talvez do labirinto que fosse a sua cabeça. Pensou que talvez também ele tivesse sido seu colega naquele jardim de infância, deveras muito labiríntico. E depois lembrou-se de Van Gogh: a voz que ninguém ouve só pode ser fruto de um aparelho defeituoso — a orelha. Ora toca e ele arranca-a...

O Menino e o Palhaço

Alguém deixou de limpar as janelas daquela casa  há muito tempo. Alguém trocou os vidros daquela casa  por grades de ferro que agora enferrujaram. Menino faz aritmética ao frio  por causa da avó que o mandou para as obras acartar tijolos enquanto faz sopa de cimento. E nos tapetes rolantes ele engraça com o palhaço triste que num elevador morto vive e que faz truques com baralhos de cartas sujos e absurdos. E os reis e os pajens já há muito que deixaram de fazer a barba e parecem uns mendigos, e as rainhas que envelheceram ao frio, e os cabelos delas caíram precocemente. O palhaço queria um baralho novo, brilhante, de plástico, que durasse a sua eternidade. Seria o seu tesouro. O menino que faz aritmética com giz e ardósia preta distrai-se e acaba a jogar à bisca com ele e deixa-o ganhar porque tem pena. A sopa de cimento já está a ferver, estão os dois com fome, juntos e agora, no meio do fumo e do frio vão finalmente comer.

Parkour

hey mate, will you be able to handle the perils that threaten thrill seeking souls? will you be able to skid on the edge of chance? will you be able to capacitate yourself that all you said was concrete and solid? and that you did actually walk upon those words with honour until they broke into pieces of shattered meaning. but all they demand of you is that you break the deadlock with charm and elegance. hey mate, you're beaten and down by law and still hold your head up high. but they'll take you when you're sleeping in bed at night, masters of the art of displacement. next you're playing chess in a court against yourself, talking about the weather. but you had your intentions, and your faith. you walked and jumped on top of their skyscrapers, and you did it with style and groove and you didn't bother to look down. but the law is ever above and now you are under, checkmate, talking things about the weather.

os terrenos baldios

 Tudo quer rebentar com ela. Zum! Como abelhas que constroem castelos dentro dos ouvidos. Zum! Zum! E que não param. Zum! E que vivem e que andam de um lado para o outro dentro dela e que lhe sugam o mel e que não a deixam dormir. Não! É um comboio que lhe atravessa as veias e que se esquece de parar nos apeadeiros das horas arredondadas. Zum! É o vapor da turbina que lhe enche os pulmões e que não a deixa respirar e que a sufoca e as rodas que não param, nunca! Zum! É o constante andamento de um motor que não é o dela. Sem parar. Lá vai aquele comboio e ela torce-se de medo porque a noite é longa. A noite é longa. Mas não! É um monstro. É um monstro que vive lá dentro e que lhe torce as pernas e os braços e que faz assim: Crack! Assim, sem doer. Mas não dói. Porque dói, porque dói. Mas ninguém vê. É sempre véspera de alguma coisa. Que dói. Um vazio de sensação que antecipa a dor de não saber o que vem a seguir no coração. Crack! Outra vez! Abre os olhos e ela não vê nada. Crack!...

as horas que são

Não se pode saber ao certo, de noite, que horas são. Ele presta serviços incertos nas horas vagas a troco de nada, em casas subterrâneas forradas a veludo vermelho e cetim. Apaga os incêndios escondidos em cada um,  eficientemente. Uma caixa de música toca aquilo que ouvia na infância enquanto uma bailarina de porcelana sem pernas dança, graciosamente. A servidão de alguém com bom coração vende cigarros e álcool e submete-se à noite da gasolina com um fósforo aceso em cada mão. Ele caminha o triste caminho até chegar à casa vermelha mas não sabe que horas são nem quando chega lá. Talvez o tempo de um cigarro ou dois, de três copos ou quatro, ou de um fósforo. Mas um estranho aneurisma que nele se instala e que não se revela a princípio como bomba-relógio, bate com o coração cronometrado e dita o tempo que falta até que os fumos da gasolina nele se evaporem e a explosão se adie com o gesto de um cigarro e de um fósforo, infinitamente, e incendeie, por fim, com a ela,...

o piano

Que direito tens tu, ó artista ou mestre de batuta mágica, de atirares um piano, assim, para a noite dos assassinos? Piano vagueia perdido ao relento doce e pesaroso de andamento e chora alegres majestosos em noites tímidas de lua cheia. A rapariga compadece-se, mais ninguém. Estende-lhe a mão, e a música que dela virá não soará mais à violência do grito solene e estridente, ou da brusquidão tirana e demente do artista ou mestre. A rapariga e o piano são melodia de pássaros que fazem um ninho e que ganham asas na mais funda e dilacerante ferida da humanidade no meio sujo da cidade, esgoto profundo e escondido onde as almas tristes habitam alegres, mas não muito.

cobertor do medo

enrolei o segredo em volta do dedo como se fosse um novelo e fiz um cobertor. com o peso de um pesadelo adormeci cedo debaixo do segredo feito de lã quente e de gelo. e não sonho mais o pesadelo porque agora desfio o novelo com o dedo e porque debaixo do cobertor está um computador que não brinca com o medo.

a matemática do bem maior

O Generalíssimo entrou triunfante pela porta adentro. Ansioso, esperava ver a nova decoração do seu gabinete. O Tenente-Coronel esperava-o, confortavelmente sentado no cadeirão do Generalíssimo, atrás da imperial e faustosa nova secretária de mogno com tampo de mármore e de pernas esguias que faziam lembrar as colunas do Olimpo. Este, pasmado com o atrevimento, abriu demasiado o olho caindo-lhe assim o monóculo que ficou estupidamente a balançar da corrente dourada e reluzente que o prendia da bolsinha da farda militar cor de azeitona que vestia impreterivelmente todos os dias, impecavelmente engomada sem quaisquer vincos. O Tenente-Coronel esboçou um sorriso familiar, suas mãos repousavam calmamente nos braços do cadeirão do Generalíssimo, ao mesmo tempo que o enxergava com uma displicência curiosa, quase infantil. Mas o Generalíssimo não via nada para além de ser um outro qualquer a ocupar-lhe o lugar e, para ele, o semblante do Tenente-Coronel era igual ao dele de todos os dia...

A Vontade de Jaquelino Bragão Travassos (extracto diário)

Quero paz e quero que me deixem em paz. Não quero doutores de bata branca, nem pessoas, nem hospitais, nem gente atrás de mim. Quero estar sozinho no mundo, eu e a minha miséria e a minha auto-comiseração. Não quero mais remédios, placebos ou panaceias para a dor. Quero deixar-me explodir em modo natural. Quero fugir a isto tudo que parece uma prisão e não é. Quero rebentar com as sinapses. Quero não ver pessoas à minha frente. Quero ser reduzido à minha insignificância. Quero não ser julgado pelo que sou ou não sou. Quero ser simplesmente por aí. Quero existir e deixar a minha existência tomar o seu livre curso. Estou farto desta vida, de ter de querer aquilo que não tenho e de sentir o tédio dos dias na inércia dos olhares à minha volta. Quando é que isto tudo começou a tornar-se tão errado? Em que altura? Como é que tudo se tornou apenas nisto? Como? Como deixei chegar a este ponto? É um vazio tão grande! Já tive a minha vida tão cheia de planos e agora sinto-me um peão do tempo e...

Rosa às 5 da tarde

Rosa às cinco da tarde olha o relógio e faz cinco anos. Brinca com o novelo de lã vermelho. Rosa às cinco da tarde e é Inverno e neva lá fora. Vê uma árvore despida no frio, respira para o vidro e o vidro embacia. Rosa às cinco da tarde e o avô na poltrona que adormeceu. E o papel de parede às flores. E a lareira acesa. E o novelo que se desfiou. Rosa e a árvore nua, a neve e o silêncio, quer brincar. Faz anos. Rosa! - às cinco da tarde, ninguém chegou a gritar. O avô acorda, enrola o novelo, põe-no na panela para o jantar. Chucha nas pantufas e começa a fazer caretas. Eram Rosa às cinco da tarde quando Rosa não voltou mais.

A história do Rolando

Veio-me uma ideia à cabeça. Duas, aliás. Mas uma delas deixou-me nervosa. Que um homem, o Rolando mordia a orelha a outro homem, um transeunte. O Rolando trabalhava num talho. Era um Homem simples, não acabara o 9º ano. Era gorducho, já estava quase careca, apesar dos seus 26 anos. Nunca lhe vi barba.Era um Homem com pouco pêlo. Andava anormalmente com a bata do talho para todo o lado mas toda a gente o conhecia através do vidro da montra da carne. O Rolando vivia a branco e a vermelho. Ou melhor, vivia a branco sujo de vermelho. Salpicava-lhe sangue na bata, orgãos moles também. Bocados de tripa às vezes. Era um homem muito físico e sensual na maneira delicada com que lidava com a carne. Tendo especial devoção à carne de porco - sendo o porco um animal por excelência curvilíneo. Gostava muito de transformá-lo em bifanas ao gosto dos clientes. Em paralelepípedos de bifanas ou nacos geométricos medidos a régua e a esquadro. A forma ou a divina escultura do porco ganhava sentido nas...

Extracto do diário da Drª Beffy Santiago

Mais um dia para esquecer. Tenho pilhas de Direito Económico a amontoarem-se na minha secretária, estou com umas dores de cabeça horríveis. E.. o meu contacto na Randolph&Drone resolveu perder o Blackberry logo hoje!! E depois delegam sempre tudo em mim, claro ...porque é solteira, porque não tem filhos, porque isto e aquilo e aquele outro. Onde raio me fui meter, "Dá à Beffy, que ela trata" - Se o cretino do Baltasar entrar no meu gabinete amanhã de manhã a perguntar se conseguimos o cliente, eu juro que lhe atiro com os Decretos-Lei e a inteira Regulação do Mercado à cara. A Lara do Salão diz que me ando a desleixar, pudera..! tenho lá eu tempo para ir arranjar o cabelo e as unhas. Como se alguém notasse, pff. Burra de carga, Beffy! Burra de carga! Diz que desde o divórcio ...bolas, quatro anos como passam. Enfim, a Lara tem razão. Isto não pode continuar. Espera só para veres, Baltasar: acho que a Randolph&Drone se vai cortar. O quê? Eu? Eu vou sair mais cedo Bal...

Extracto do diário do poeta/escritor Jaquelino Bragão Travassos

Que a terra húmida, como ventre primordial me acolha de novo neste vendaval silencioso em que me encontro, ò eterna paz e revolução da juventude, vós sumistes tal como a luz que agora vejo, coada pelos vitrais desta catedral a que o povo chama velhice. Tudo é neblina e já não vejo o sangue pulsar-me nas veias nem o ímpeto do jovem que eu era. A miudagem é a força, o bulício da brincadeira, o murmúrio constante de um riacho que corre e corre e não cansa até que alguém diz pára, chegaste ao mar, agora descansa. Ninguém avisa, não há sinais, corre e escorre a vida por entre vales, rochas, montanhas e barragens que inadvertidamente construímos para nós. Num só sentido corre contra-relógio, para esse eterno retorno à terra que nos viu nascer. Vivo em memórias, enquanto Deus mo permitir. Vivo no pretérito-perfeito quando nada na vida foi perfeito. Tal é a tristeza de envelhecer. Nota: Jaquelino B. Travassos nunca chegou a ultrapassar a barreira do anonimato. Ele também nunca existiu...

mamãrobot

Mamãrobot é um cristal, Mamãrobot é pedra dura, Mamãrobot veio doutro sítio. Mamãrobot é roupa suja, tábua-de-engomar e alguidar. Mamãrobot está sempre a tropeçar. Mamãrobot veio de muito longe, com um saco preto enfiado na cabeça e uma mala a tira-colo. Parecia um susto! Mamãrobot anda em casa, e tem direcção assistida. Mas está sempre a tropeçar. Às vezes enche-se de ar para não se magoar. Mamãrobot é de um cinzento cromado, ela lava e seca lágrimas sem cobrar. Mas ela própria não pode chorar, porque assim vai enferrujar. Tem que beber óleo preto para funcionar. Coitada Mamãrobot!