Não me parecia que sim


Parece que são concêntricas, aquelas circunferências. Que partem do mesmo início, ela assim queria. Que as vidas deles girassem em torno da mesma coisa comum, sem se tocarem. Um pouco obtuso da sua parte, mas acho que era isso que ela queria. Uma companhia e uma boa dose de romance na sua vida. Algo sereno e se possível eterno, como a circunferência. Eu disse-lhe, minha cara, você sonha demais. Acha que isso é... Fazível? E usei esta mesma palavra, palavra feia e comezinha como o chão velho de linóleo da cozinha cheio de bolhas de ar onde estávamos as duas. Ela não levou a mal. Ficou pensativa, disse que sim. Que era. E descolou outra vez para outra dimensão. É como caminharmos juntos, lado a lado, percebe? Seria algo paralelo a uma curvatura, sabe? A vida curvava, segundo ela, para o infinito, para Deus, para o linóleo do chão e para tudo. Alto lá, ouça lá, isso é tudo muito bonito mas quem vai tomar conta de/? Mas queria ela lá saber. E disse-me de chofre que o queria ver pelas costas. Esse! E de novo repetiu com muita força e muitos ssss. Êssse nunca mais volta a pôr os olhos dele em cima de mim. Aquilo que eu fiz por ele, esse ingrato. Usava da palavra «nunca» como quem usa um martelo para decretar uma sentença. Nunca, nunca, nunca. Mas acha mesmo? Ele não terá direito a/? Legalmente, você veja que depois ainda tem sarilhos. De avental de plástico sujo e unhas mordidas, nervos e panela ao lume, ela olhava para mim e depois para a gordura que se acumulava nas paredes. Mas ela via oportunidades agora! Buracos na trama! Estaria livre para percorrer caminhos nunca antes explorados, enfim, ia viver patrocinada pelo euromilhões imaginário da cabeça dela. Olhe, tchau que eu não quero ter nada a ver com isso, que não quero ser testemunha dessas coisas que ainda depois/. 

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