Mensagens

Até às três

Aguenta até às três até o mundo acabar foi o que ele me disse para fazer num parque de estacionamento  onde chora e grita o vento  e eu de pé quieta  no meu quadrado de chão com o carro e as chaves lá dentro e o peso do saco na mão e o saco pesa-me tanto visto o casaco entretanto  para me agasalhar  são pedras redondas do chão que tenho para lhe oferecer juntas com o meu coração assim para disfarçar queria-lhe agradecer e agora enfrento de frente o vento experimento esse veneno acerto contas com o tempo cerro o punho da mão e espero só até às três até o mundo acalmar

Olha nós

De mãos dadas  Com força subimos Até ao décimo segundo andar Olhamos os dois  Olha aqui  Um sítio para descansar E olha agora onde estamos acho que vamos para o último andar E lá de cima sorrimos  Rimos e acenamos E isto e aquilo que fizemos  Lembras-te Mas eles deixaram-nos estar E juntos crescemos À pressa  À sede  À luz À força de se poder olhar Olha nós  Como éramos  

Coisa de mar

Eu vi uma coisa e a coisa era dela era o vento na vela  num raio de mar Eu vi uma coisa no espelho do mar e a coisa era dela e o centro era ela Até o dia acabar

Agosto de dor

Agosto de dor   Longe ela vem e desmaia Certa de que só e triste A esperam na areia  Morna e suave Da praia  Agosto de dor   O sol já não queima O vento amaina A maré distante Abraça-a agora Entre as estrelas da noite Ela paira

Delito

 Vivo mil anos a tua cara e nela tenho gravada o teu grito Sou pedra rochedo o teu segredo sou regra credo e o teu medo Fixei o instante da tua angústia nesta prisão de pedra Sou a estátua da perfeição que a lei de tudo quebra e agora em todo o lado existo feita de crime e delito O meu maior foi ter-te a ti  Aqui onde estou sou perigo Sou perigo. 

Um Avião

Marquei uma cruz no céu Com um avião Era cinzento e parecia Um Cristo a querer abraçar a Terra. Dispus assim Acima de mim Uma fórmula Que fosse fácil de acreditar. 

Reportagem

Russel Square magoou a perna e gritava "Eu sou Russel Square! Eu sou Russel Square!" enquanto o levavam numa maca feita de braços, quase em apoteose. Perdoavam-no tudo, era um herói. Ditava modas, Russel Square era o nome dele e tinha-se magoado na perna. Levavam-no em braços, gentil e dolorosamente, os jovens e as jovens pela rua abaixo até ao buraco que dava para as instalações deles, escondidas mesmo debaixo da minha rua. Lá havia espaço, naquela gruta virgem feita ainda de planeta selvagem que existe debaixo das nossas cidades. Russel Square parecia ditar novas regras. Alguém discordava e Russel Square, com o olhar, mostrava-lhe onde era a saída daquele abrigo subterrâneo. Não sei descrever muito bem a aparência de Russel Square, era jovem, lá isso era, vinte e poucos, e os outros seguiam-no como se seguissem o único caminho possível, por ser o mais luminoso. Mas Russel Square vestia-se com roupa velha e suja, t-shirt, calções e botas. Tinha cabelo comprido, de origem m...